in SHILAP Revista de lepidopterología
Diversidade de Borboletas em Fragmentos de Floresta Estacional Semidecidual e Campos do Bioma Pampa Brasileiros (Lepidoptera: Papilionoidea)
Resumo
Este trabalho teve por objetivo analisar a diversidade de três comunidades de borboletas em Floresta Estacional Semidecidual e Campos do Bioma Pampa no Rio Grande do Sul. Foram realizadas coletas mensais através do uso de redes entomológicas, entre outubro de 2012 a junho de 2013. Totalizando 180h horas-rede por local, verificou-se que mesmo próximas ou compartilhando as mesmas formações vegetais, as comunidades apresentam características próprias que podem estar relacionadas a condições e recursos intrínsecos do ambiente. A área A1 apresentou valores intermediários de abundância e diversidade, e os maiores valores de riqueza. A2 é a área mais diversa, com valor intermediário de riqueza, e o menor número de indivíduos. A3 obteve o maior número de indivíduos, porém a menor riqueza e diversidade. Quanto à diversidade e dominância, todas as áreas obtiveram uma boa equitabilidade, não apresentando espécies dominantes.
Main Text
Introdução
As borboletas são representadas por cerca de 20.000 espécies em todo o mundo, com cerca de 3.300 registradas para o Brasil (DUARTE et al., 2012). Elas realizam boa parte dos processos essenciais dos ecossistemas terrestres como herbivoria e polinização, além de contribuírem de forma considerável como biomassa alimentar para níveis tróficos superiores (FREITAS et al., 2003).
Em função de suas características, as borboletas são utilizadas como exemplo em vários estudos ecológicos (BROWN JR. & FREITAS, 1999). Estão entre os melhores grupos para o monitoramento ambiental, pois respondem com rapidez a alterações no ambiente e são relativamente fáceis de amostrar e identificar (FREITAS et al., 2005). Devido ao seu carisma, também podem ser utilizados como bandeira ou guarda-chuva em iniciativas conservacionistas (NEW, 1997).
Apesar do elevado número de inventários já realizados no Rio Grande do Sul, trabalhos com diversidade de borboletas ainda são recentes e pouco explorados (SANTOS et al., 2008), além de mal distribuídos no estado (MARCHIORI et al., 2014).
Pesquisas sobre diversidade taxonômica, genética e ecológica, são essenciais para compreender as comunidades biológicas e contribuir para a sua conservação (PURVIS & HECTOR, 2000). Em vista disso, objetivou-se analisar a diversidade de três comunidades de borboletas na Floresta Estacional Semidecidual e Campos do Bioma Pampa no Rio Grande do Sul.
Material e métodos
O trabalho foi realizado em três áreas (A1, A2, A3), duas localizadas no município de Morro Redondo e uma no município de Capão do Leão, extremos sul do Rio Grande do Sul (Fig. 1). Encontram-se nas regiões geomorfológicas da Encosta do Sudeste e da Planície Costeira, respectivamente. Pertencem ao Bioma Pampa e se localizam nas fisionomias da Floresta Estacional Semidecidual e na transição entre esta e as Formações Pioneiras (VELOSO et al., 1991).
A área A1 (31º 43’ 05.85” S, 52º 41’ 45.42” O) é formada por Floresta Estacional Semidecidual de Encosta, circundada por áreas de campo. A trilha encontra-se entre mata nativa bem preservada e campo arbustivo ou estrada, sendo esta mata um fragmento relativamente grande, com mais de 1,5 km2 de vegetação conectado a outros fragmentos menores. A área A2 (31º 43’ 41.80” S, 52º 41’ 28.10” O), possui também Floresta Estacional Semidecidual de Encosta, circundada por campos. A trilha encontra-se entre mata ciliar, com aproximadamente 50 m de largura, e campo com criação de gado. A área A3 no Horto Botânico Irmão Teodoro Luis (31º 48’ 58” S, 52º 25’ 55” O) apresenta aproximadamente 23 hectares de mata nativa circundado por campos e banhados, sendo nitidamente uma Área de Tensão Ecológica entre a Floresta Estacional Semidecidual e as Formações Pioneiras. A trilha percorrida localiza-se entre estrada e beira de mata ou campo limpo com criação de búfalos.
Foram realizadas coletas mensais entre outubro de 2012 a junho de 2013, por quatro coletores com o uso de redes entomológicas. As trilhas foram percorridas durante 2h 30 min pela manhã e pela tarde em dias alternados, no período entre 8h 30 min e 16h 30 min. Espécimes de fácil identificação no campo foram marcados numericamente através de caneta permanente, fotografados e liberados. Para cada indivíduo avistado foi registrada a espécie, data, turno e área de coleta.
Indivíduos de identificação incerta e exemplares testemunho foram coletados e encaminhados ao Museu Entomológico Ceslau Biezanko da Universidade Federal de Pelotas, onde foram montados, identificados e depositados. A identificação das espécies foi realizada com base no padrão morfológico, por comparação com o material disposto na coleção do museu mencionado, uso de bibliografias especializadas (CANALS, 2000, 2003; D’ABRERA, 1984) e da consulta a especialistas. A nomenclatura e a sistemática foram atualizadas segundo LAMAS (2004).
A partir da identificação dos espécimes foram obtidas a riqueza, abundância e composição de espécies registradas nas três áreas. Foi feita rarefação baseada em indivíduos, com intervalos de 95% de confiança, e a riqueza foi verificada através dos estimadores analíticos Jackknife 1, Jackknife 2 e Bootstrap. Estes estimadores são baseados na incidência de espécies por amostras, sendo os mais confiáveis para poucas amostras. A dominância foi estimada segundo o índice de Simpson (1-D) e a diversidade de acordo com o índice de Shannon-Wiener (H). A composição de espécies foi analisada através de um NMDS (Non-Metric Multidimensional Scalling) a partir do índice de similaridade de Morisita. Esta análise foi posteriormente testada por um ANOSIM com 9999 aleatorizações. Todas as análises foram realizadas através do programa Past versão 2.17 (HAMMER et al., 2001).
Resultados
Em um total de 180 horas-rede de esforço amostral por localidade (totalizando 540 horas-rede), foram registrados 3.065 indivíduos distribuídos em 154 espécies e seis famílias de borboletas em três fragmentos de Floresta Estacional Semidecidual e Campos do Bioma Pampa no Rio Grande do Sul (Tab. 1). De acordo com os dados obtidos através dos estimadores analíticos de riqueza (Jackknife 1, Jackknife 2 e Bootstrap), A1 obteve 73-87% da comunidade amostrada, A2 69-87% e A3 66-87% (Tab. 2).
De acordo com a curva de rarefação baseada em indivíduos, com a mesma abundância A1 apresentou riqueza superior às demais. A3 foi a que deteve a maior abundância, porém a menor riqueza entre elas (Fig. 2). Quanto aos dados de diversidade e dominância, os valores foram muito semelhantes (H’=3,87; H’3,88; H’=3,74 e 1-D=0,96; 1-D=0,97; 1-D=0,97).
Nas três áreas a família mais abundante foi Nymphalidae (51-54%), seguida de Hesperiidae (31- 35%), juntas estas famílias representaram em torno de 86-87% da abundância registrada em cada local. Quanto à riqueza, Nymphalidae e Hesperiidae também foram as famílias mais representativas. Em A1 e A3 Hesperiidae superou Nymphalidae em 2%, A2 diferiu deste resultado, apresentando 7% a mais de Nymphalidae do que de Hesperiidae. Com relação à ordenação das demais famílias, A1 e A2 apresentaram Lycaenidae, seguida de Riodinidae, Pieridae e Palionidae. A3 obteve Pieridae, seguida de Lycaenidae, Papilionidae e Riodinidae (Fig. 3).
Do total de espécies, 53 (34%) foram compartilhadas por todos os ambientes. Nymphalidae apresentou o maior número de espécies em comum (25), seguida de Hesperiidae (17), Lycaenidae (4), Pieridae (4), Papilionidae (2) e Riodinidae (1). A1 obteve o maior número de espécies exclusivas, após A3 e A2 (Fig. 4). De acordo com o índice de Morisita, os maiores valores ocorreram entre A1 e A2 (P=0,1603), o que indica que estas áreas são muito semelhantes na sua composição, enquanto para A1 e A3 (P=0,0002) e A2 e A3 (P=0,0001) a diferença entre elas é significativa (Fig. 5).
Discussão
DESCRIÇÃO GERAL DA COMUNIDADE DE BORBOLETAS
Os resultados obtidos com a curva de rarefação corroboram os dados brutos de riqueza, onde A1 é a área mais rica, seguida de A2 e A3. Quanto à diversidade e dominância, todas as áreas obtiveram uma boa equitabilidade, não apresentando espécies dominantes. Índices de diversidade não paramétricos ou de heterogeneidade não caracterizam uma comunidade, mas podem ser úteis na comparação entre elas. Os valores não exibiram uma diferença significativa entre as áreas, mas dão apoio aos demais dados apresentados neste trabalho.
A abundância de Nymphalidae e Hesperiidae encontrada, também foi relatada em outros trabalhos no estado, porém, nesses a importância de Hesperiidae é bastante inferior (MARCHIORI & ROMANOWSKI, 2006 a,b; DESSUY & MORAIS, 2007; MORAIS et al., 2012, SILVA et al. 2013, SILVA et al., 2017). Com relação à riqueza, Hesperiidae tem sido referida como uma das famílias mais ricas para diversos locais do Brasil, particularmente para a Floresta Estacional Semidecidual (FRANCINI et al., 2011). Este grupo é um excelente indicador de qualidade ambiental, principalmente de regularidade e abundância de recursos florais (BROWN JR. & FREITAS, 2000), além disso, sua predominância pode indicar um ambiente bem amostrado (ROSA et al., 2011).
Sobre a ordenação das demais famílias, A1 e A2 obtiveram resultados semelhantes ao encontrado para o Rio Grande do Sul por MORAIS et al. (2007). A baixa representação de Lycaenidae e Riodinidae em A3 destoa destes dados e do esperado para outros locais do país (FRANCINI et al., 2011). Era previsto uma riqueza superior, em especial de Riodinidae visto que Pelotas e arredores estão entre os locais mais ricos no estado (SIEWERT et al., 2014). É importante salientar que esta família é sensível a perturbações ambientais e a poluição (BROWN JR. & FREITAS, 2000).
ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DAS COMUNIDADES DE BORBOLETAS
A diferença encontrada na composição de espécies entre as áreas pode estar diretamente relacionada à distância entre elas. A1 e A2 são áreas muito próximas e pertencem a Floresta Estacional Semidecidual propriamente dita, enquanto A3 fica distante das demais, localizada em uma transição entre esta vegetação e as Formações Pioneiras. No entanto, mesmo locais próximos e que apresentam as mesmas formações vegetais, em escalas menores, podem apresentar variações particulares de condições e recursos. Alguns dados e características dos locais estudados serão discutidos a seguir.
A área A1 apresentou valores intermediários de abundância e diversidade, e os maiores valores de riqueza. A1 exibe a maior extensão de área preservada com conectividade a diversos fragmentos, apresentando uma vegetação bastante heterogênea o que pode ter conduzido a estes resultados. A riqueza de borboletas está significativamente correlacionada a estes fatores, tanto com a conectividade simples da paisagem quanto com a heterogeneidade de condições e recursos (BROWN JR. & FREITAS, 2000; BROWN JR. & FREITAS, 2002).
A2 é a área mais diversa, com valor intermediário de riqueza, e o menor número de indivíduos. Também foi a área que apresentou Nymphalidae como a família mais rica e o maior número de espécies exclusivas desta família. A trilha percorrida em A2 encontra-se entre mata ciliar e campo limpo, matas ciliares podem atuar como corredores ecológicos naturais, ligando fragmentos florestais, o que facilita o deslocamento da fauna (CARDOSO-LEITE et al., 2005). Como observado no estudo, algumas borboletas utilizavam o contorno da mata como via de acesso a outros fragmentos, em especial espécies grandes, com boa capacidade de deslocamento.
A área A3 obteve o maior número de indivíduos, porém a menor riqueza e diversidade. Alta abundância e baixa riqueza podem ser características de ambientes perturbados, onde algumas espécies desaparecem enquanto outras aumentam suas populações (DE VRIES & WALLA, 2001).
A3 por estar localizada em um ambiente de transição entre duas formações distintas possui uma boa heterogeneidade de habitat, no entanto é um fragmento pequeno e isolado, que sofreu fortes pressões antrópicas no seu passado (LUIS & BERTELS, 1951). A diversidade de borboletas é significativamente correlacionada com a área de mata e com seu grau de isolamento (BAZ & BOYERO, 1995). É possível que os resultados sejam consequências de perturbações ambientais. No entanto, sem informações antecedentes não há como afirmar, pois, dados de composição, riqueza e abundância se comportam de maneira desigual em ambientes distintos e sobre efeito de diferentes alterações.
O Bioma Pampa tem sofrido diversas ações antrópicas nos últimos anos, o quanto isso têm afetado sua biodiversidade ainda é pouco conhecido e muito negligenciado (CORDEIRO & HASENACK, 2009; OVERBECK et al. 2009). Análises de diversidade são importantes instrumentos para caracterizar ambientes e fornecem informações que servem de base para ações conservacionistas. Através de futuros monitoramentos da comunidade de borboletas, será possível obter uma visão mais clara sobre as condições das áreas estudadas, em especial de A3 (Horto Botânico Irmão Teodoro Luis). Assim medidas poderão ser tomadas antes que os efeitos de prováveis perturbações sejam irreversíveis (UEHARA-PRADO et al., 2004).
Resumo
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Introdução
Material e métodos
Resultados
Discussão
DESCRIÇÃO GERAL DA COMUNIDADE DE BORBOLETAS
ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DAS COMUNIDADES DE BORBOLETAS