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Nyctobrya maderensis ( Bethune-Baker, 1891), uma espécie nova para a fauna dos Açores (Lepidoptera: Noctuidae)

Nyctobrya maderensis( Bethune-Baker, 1891), a new species to the Azores fauna (Lepidoptera: Noctuidae)

Nyctobrya maderensis( Bethune-Baker, 1891), una nueva especie para la fauna de las Azores (Lepidoptera: Noctuidae)

Virgilio Vieira
Universidade dos Açores Departamento de Biologia / FCT, PORTUGAL / PORTUGAL

Nyctobrya maderensis ( Bethune-Baker, 1891), uma espécie nova para a fauna dos Açores (Lepidoptera: Noctuidae)

SHILAP Revista de lepidopterología, vol. 51, núm. 203, pp. 431-435, 2023

Sociedad Hispano-Luso-Americana de Lepidopterología (SHILAP)

Recepção: 27 Setembro 2022

Aprovação: 23 Dezembro 2022

Resumo: Nyctobrya maderensis ( Bethune-Baker, 1891) é uma espécie nova para a fauna do arquipélago dos Açores (Portugal). Foi observada em Ponta Delgada e Vila Franca do Campo, ilha de São Miguel. São também apresentadas algumas notas sobre a distribuição e ecologia desta Heterocera.

Palavras-chave: Lepidoptera, Noctuidae, Bryophilinae, Nyctobrya maderensis, ilhas, Açores, Portugal.

Abstract: Nyctobrya maderensis ( Bethune-Baker, 1891) is a new species to the fauna of the Azores archipelago (Portugal). It was found in Ponta Delgada and Vila Franca do Campo, on the island of São Miguel. Some notes on the distribution and ecology of this Heterocera are also given.

Keywords: Lepidoptera, Noctuidae, Bryophilinae, Nyctobrya maderensis, islands, Azores, Portugal.

Resumen: Nyctobrya maderensis ( Bethune-Baker, 1891) es nueva especie para la fauna del archipiélago de las Azores (Portugal). Se observó en Ponta Delgada y Vila Franca do Campo, isla de San Miguel. También se presentan algunas notas sobre la distribución y la ecología de este Heterocera.

Palabras clave: Lepidoptera, Noctuidae, Bryophilinae, Nyctobrya maderensis, islas, Azores, Portugal.

Introdução

Nyctobrya maderensis ( Bethune-Baker, 1891) pertence à família Noctuidae Latreille, 1809, subfamília Bryophilinae Guenné, 1852, e género/subgénero Nyctobrya Boursin, 1957, seguindo o critério de Vives Moreno (2014). Tem como sinonímia os géneros Cryphia Hübner, 1818, e Bryopsis Boursin, 1969, e ao nível específico Bryophila maderensisBethune-Baker, 1891, Cryphia maderensis ( Bethune-Baker, 1891) e Nyctobrya (Nyctobrya) maderensisBethune-Baker, 1891 (cf. Bethune-Baker, 1891; Aguiar & Karsholt, 2006, 2008; Behounek & Speidel, 2013; GBIF, 2022; Lepiforum, 2022). O subgénero Nyctobrya Boursin, 1957, era considerado endémico para a região da Macaronésia ( Fischer & Freina, 2014), mas sabe-se que a espécie Nyctobrya simonyi (Rogenhofer, 1889) também está atualmente registada para Marrocos ( Falck & Karsolt, 2022).

Nyctobrya maderensis é uma borboleta noturna endémica do arquipélago da Madeira ( Bethune-Baker, 1891; Aguiar & Karsholt, 2006, 2008; Behounek & Speidel, 2013; Wagner, 2022), estando dispersa pelas ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas - Deserta Grande e Bugio ( Aguiar & Karsholt, 2006, 2008). Para as Selvagens encontra-se citada a espécie Nyctobrya simonyi (Rogenhofer, 1889) (Rebel, 1917; Aguiar & Karsholt 2006), mas a sua presença não foi confirmada por Aguiar & Karsholt (2006) e nem essa interpretação estará correta, visto que o arquipélago da Madeira é colonizado por N. maderensis ( Fischer & Freina, 2014).

A descrição de N. maderensis encontra-se em Bethune-Baker (1891) e Behounek e Speidel (2013). Os adultos medem de 23 a 29 mm de envergadura, variando entre 28-29 mm ( Bethune-Baker, 1891), 25 mm ♂♂ e 28 mm ♀♀ ( Behounek & Speidel, 2013) e 23 mm ♂♂ ( Lepiforum, 2022). Fotos da larva, da pupa, do adulto e das genitálias masculina e feminina podem ser consultadas em Behounek e Speidel (2013), Lepiforum (2022) e Wagner (2022). O ciclo biológico da espécie não é conhecido.

Segundo Wagner (2022), na Madeira, N. maderensis habita preferencialmente sobre rochas e paredes de pedra natural de áreas ou espaços sombreados a semi-sombreados (onde a incidência da luz é parcial ou indireta) e, provavelmente, também utiliza os líquenes presentes sobre a casca de árvores; as larvas alimentam-se de algas e líquenes que crescem em pedras e rochas e, nos últimos estados de desenvolvimento, foram observadas a comer durante o dia, estando o tempo húmido. Por outro lado, parece que as larvas se desenvolvem no inverno e primavera, passando por uma fase pré-pupal de duração variável, o que faz com que o período de voo do adulto ocorra no verão/princípio do outono ( Wagner, 2022). Os adultos são atraídos pela luz artificial e podem ser capturados em armadilhas luminosas.

Métodos

Nyctobrya maderensis foi prospetada em vários locais de Ponta Delgada e de Vila Franca do Campo, ilha de São Miguel, entre 27-VIII-2022 e 26-IX-2022. Todos os espécimes foram fotografados. Para a identificação taxonómica da espécie, procedeu-se à observação dos padrões alares (desenhos e cores) dos adultos e à dissecação da genitália feminina, seguindo as descrições de Behounek e Speidel (2013).

Resultados e Discussão

Na ilha de São Miguel foram observados doze adultos de N. maderensis, quatro durante o dia (de 27-VIII a 10-IX-2022) e os restantes oito à noite ( Tabela 1). Encontravam-se em repouso na parede dos edifícios e muros de pedra, sendo todos fotografados, quer em Ponta Delgada por V. Vieira (7 espécimes) e Erin Wright (1 espécime; ver foto em https://www.inaturalist.org/observations/135966246), quer em Vila Franca do Campo por Céline Le Bras (4 espécimes; ver fotos em https://www.inaturalist.org/observations?place_id=13197&subview=map&taxon_id=1253510).

Tabela 1.
Adultos de Nyctobrya maderensis observados em Ponta Delgada e Vila do Franco do Campo, ilha de São Miguel, entre 27-VIII-2022 e 26-IX-2022.
Adultos de 
						Nyctobrya maderensis observados em Ponta Delgada e Vila do Franco do Campo, ilha de São Miguel, entre 27-VIII-2022 e 26-IX-2022.
Legenda: VV= Virgílio Vieira; EW = Erin Wright; CLB= Céline Le Br

Os adultos apresentavam os padrões alares semelhantes e um bom estado de conservação. Ficaram todos em liberdade, à exceção das duas fêmeas registadas a 27-VIII e 03-IX-2022, que foram recolhidas pelo autor ( Tabela 1; Figuras 1-2). Estas mediam 28-29 mm de envergadura e, na ausência de alimento, morreram 3-4 dias após a sua captura.

Fêmea de 
						Nyctobrya maderensis capturada em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, no dia 03-IX-2022. 
						1. Vista em posição de repouso. 
						2. Vista em posição ventral.
Figuras 1-2.
Fêmea de Nyctobrya maderensis capturada em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, no dia 03-IX-2022. 1. Vista em posição de repouso. 2. Vista em posição ventral.

Trata-se do primeiro registo de N. maderensis para o arquipélago dos Açores. A espécie é originária do arquipélago da Madeira, mas é desconhecido o modo como alcançou os Açores e se já existe ou não uma população fundadora nestas ilhas, em particular na ilha de São Miguel.

Na literatura existem alguns exemplos de outros lepidópteros que terão alcançado estas ilhas por migração, transportados por correntes de vento favoráveis, nomeadamente, as espécies noturnas Pseudaletia unipuncta (Haworth, 1809) ( Vieira et al. 2003), Ophiusa tirhaca (Cramer, 1777) ( Vieira, 2001) e Utetheisa pulchella (Linnaeus, 1758) ( Vieira, 2012) e as espécies diurnas Danaus plexippus (Linnaeus, 1758) ( Neves et al. 2001), Hypolimnas misippus (Linnaeus, 1764) ( Tennent & Russel, 2015) e Vanessa virginiensis (Drury, 1773) ( Vieira, 2017). Neste contexto, sob condições de temperatura e ventos favoráveis (dependendo da posição do Anticiclone dos Açores) é expectável o aparecimento de adultos errantes de N. maderensis nas ilhas açorianas, vindos da Madeira, aonde se reproduz e tem sido observada em zonas elevadas, situadas entre 1100-1600 m de altitude (e.g., Behounek & Speidel, 2013).

Paralelamente, não pode ser excluída a hipótese do transporte passivo em aviões e, principalmente, em navios de cruzeiro transatlânticos que nesta época do ano (agosto-setembro) fazem escala no porto de Ponta Delgada, sendo oriundos do sul da Europa (Mediterrâneo) e com escala na ilha da Madeira.

Também, é provável o estabelecimento de uma população de N. maderensis residente nas ilhas açorianas como consequência da importação acidental de ovos, larvas e/ou pupas, vindo associados a algas e líquenes em plantas (e.g., ornamentais), as quais são objeto de comercialização com relativa frequência entre a Madeira e os Açores. A título de exemplo, refira-se que Cydalima perspectalis (Walker, 1859) ( Vieira, 2020a) e Thera cupressata (Geyer, [1831]) ( Vieira, 2020b), apesar da sua boa capacidade de voo, provavelmente beneficiaram deste meio de transporte passivo para alcançarem os Açores.

Por último, importa salientar que nas ilhas dos Açores existem várias espécies vegetais endémicas e nativas, incluindo líquenes, musgos, hepáticas, antocerotas, fetos, licófitas, gimnospérmicas e angiospérmicas (e.g., Silva et al. 2010; Gabriel & Borges, 2022), podendo algumas delas ser potenciais hospedeiras de N. maderensis. Considerando o valor ecológico e conservacionista dos endemismos insulares, recomenda-se uma prospeção local de N. maderensis, visando saber do seu potencial estabelecimento de uma população pioneira.

Agradecimentos

Expresso o meu agradecimento a Juha Tyllinen (website Inaturalist), Erin Wright e Céline Le Bras, pela prestimosa troca de informações e a partilha das suas observações sobre N. maderensis na ilha de São Miguel. O meu obrigado ao Dr. Antonio Vives (Espanha) pela revisão da primeira versão do manuscrito.

Referências

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